Um artigo publicado na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature, apresenta importantes avanços no estudo do início do processo de Inativação do cromossomo X durante o desenvolvimento embrionário humano.
O trabalho foi realizado por um grupo coordenado pelas geneticistas docentes do Instituto de Biociências da USP: Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE USP) e pesquisadora principal do Centro de Terapia Celular (CTC USP), e Maria Vibranovski, Jovem Pesquisadora e chefe do laboratório de Genômica Evolutiva.
Apesar de terem dois cromossomos X, fêmeas de mamíferos inativam um deles em suas células, um processo chamado inativação do cromossomo que compensa a diferença de dosagem de genes no X entre machos XY e fêmeas XX.
Este processo é um exemplo extremo de controle epigenético, onde um cromossomo inteiro é inativado, ou seja, seus genes não são expressos. Em camundongos, o processo começa no início do desenvolvimento embrionário, quando as células da massa celular interna do blastocisto começam a se diferenciar. Neste momento, cada célula escolhe aleatoriamente um X a ser inativado e todas as células descendentes manterão esse mesmo X inativo.
“Nosso grupo resolveu investigar essa questão em humanos utilizando ferramentas genômicas que, em vez de poucos genes, pudessem olhar para todo o cromossomo X ao mesmo tempo. Afinal, o comportamento de poucos genes pode não refletir o comportamento do cromossomo como um todo”, explica Pereira.
Por acontecer durante o desenvolvimento embrionário, a inativação do cromossomo X foi pouco estudada em humanos.
“Em 2013, o sequenciamento de RNA de células únicas (scRNAseq) estava começando, e como tínhamos acesso a embriões humanos pré-implantação por causa do projeto de derivação de linhagens de células-tronco embrionárias, começamos a investigar a possibilidade de fazer scRNAseq de embriões humanos. Porém, na época a única plataforma existente para fazer as bibliotecas de células únicas ainda não estava disponível no Brasil. Consultamos colegas nos EUA sobre a possibilidade de fazermos colaborações, mas além das dificuldades técnicas de enviar células únicas de embriões humanos para fora, os custos dos reagentes eram muito altos”, conta a pesquisadora.
Para superar estas dificuldades o grupo contou com o auxílio da bioinformática, por meio de uma parceria com a Profa. Maria Vibranovski. As pesquisadoras trabalharam com dados de sequenciamento de embriões humanos publicados por um grupo chinês.
Outra contribuição importante levantada pelo estudo foi a contestação da hipótese do X dampening, publicada no ano passado na revista científica Cell e que desde de sua divulgação era aceita como verdade.
Um grupo de pesquisadores suecos identificou em embriões humanos a compensação de dose X entre machos XY e fêmeas XX, mas não detectou inativação de um cromossomo X. Assim, eles propuseram que a compensação de dose se dava pela redução dos níveis de expressão dos dois cromossomos X nas fêmeas, esse processo foi batizado de X dampening.
“Realizamos um experimento de bioinformática para testar a hipótese do X dampening: se houvesse mesmo dampening, a média da expressão dos genes expressos dos dois cromossomos X deveria diminuir durante o desenvolvimento. Nossa análise mostrou que isso não acontece: essa média varia, mas não diminui significativamente, argumentando contra o dampening”, conta Pereira.
O grupo provou que a inativação do cromossomo X começa no estágio de blastocisto, mas atingindo ainda poucos genes no X. O trabalho mostrou ainda pela primeira vez durante o desenvolvimento embrionário humano o surgimento de uma segunda forma de compensação de dosagem, entre o único X ativo e os autossomos.
“Temos dois de cada autossomo e somente um X ativo. Ohno (1967) propôs que o único X seria super-expresso para compensar essa desvantagem numérica em relação aos autossomos. Nós mostramos que essa super-expressão não acontece nos embriões pré-implantação, mas está presente em linhagens de células-tronco embrionárias humanas”, destaca Pereira.
Leia o artigo “Early X chromosome inactivation during human preimplantation development revealed by single-cell RNA-sequencing”.